terça-feira, 12 de agosto de 2008

linhas das leis



tenho uma aparição projectada no tecto do meu quarto
e vejo a camada gorda a meus pés
enquanto quase sinto o cheiro da aura
que se desprende do corpo frágil
projectado nesta aparição.
é que a gente cai sempre duas vezes,
quando da primeira alguém nos agarra
antes de tocarmos realmente no chão
e provarmos o sangue entre os dentes.
e às vezes nem à segunda,
e continuando com a aparição,
constante como oxigénio,
não aprendemos que as leis são para serem quebradas todos os dias,
porque a linha central é demasiado estreita para caminharmos sobre ela
e só equilibramos a loucura da normalidade numa das extremidades.
agora escolhe o pólo que mais te convém
que o outro é só para deitar o olho de vez em quando.

aplausos



não percebo d'onde vem a insistência de me tirarem sempre o que mais preciso.
o "dia" está quase a chegar
e o que deveria ser o meu pico de alegria programado no início de uma das minhas novas projecções de vida,
pressagia-se ser um fúnebre espectáculo vazio,
de cortinas negras,
luzes encandeantes
e aplausos surdos e absurdos.
não percebo d'onde vem este ódio que se agarra com unhas e dentes ao pouco amor que ainda espreita.
como me pude esquecer de mim?
como me pude esquecer de sorrisos e lágrimas que me apareceram à frente
quando a minha parte podre se oxidava numa adolescência rápida?
se o pólo positivo desta projecção fosse uma aparição constante,
podia esquecer qualquer raiz..
mas a minha ambição,
pura do Animal Consciente,
é demasiado para os parâmetros da concepção convencional da Humanidade.
não percebo porque é que o mundo não é feito à minha medida..
e eu não sou o bucha em vez do estica!

novo eu



embora tenha saudades de mim,
este eu novo é de pedra
e perdeu a flacidez da parte estúpida da inocência.
toda a gente tem uma parte podre!
sim.. há mais para além da capa visível.
e o meu novo espaço de sobrevivência
só se adapta quando reconhece essa parte podre dos outros,
a parte mole,
a parte que levou anos a oxidar ao ar livre,
a parte que levou anos a moldar-se à prisão carnal,
a parte verdadeira e humana,
a parte bonita,
a parte que dá vontade de acariciar..
mas é impossível passar a barreira concreta
e pintar o homem de cores q nunca ninguém viu,
num fogo de artifício que explode neste músculo tão pequeno.
isto só é possível numa aproximação quase perfeita,
com pessoas quase perfeitas
que vou encontrando nesta busca da vida.
obrigado pela tua imperfeição,
quase perfeita

a imperfeição da felicidade



ser-se na perfeição da felicidade
é ser-se inconsciente permanentemente
ou temporariamente e morrer a seguir.
é esbofetear o superego
até que ele não tenha mais por onde sangrar
a sua inoportuna capacidade de concretizar
o que queremos abstracto.
é voltar a nascer a cada segundo
e senti-los com a pureza do sorriso de uma pedra
que não se move com o vento
que insiste em gritar na janela.
é ser-se surdo e não dar a menor importância
às inúmeras fotografias que tiramos em conjunto.
é saltar e tocar o tecto,
ficar lá,
ver toda a estupidez humana lá em baixo
e rir dela até quase ficar sem ar.
é roubar um balão ao homem da pandeireta
e fazer dele um mundo na nossa mão
e passear com ele num jardim cheio de nada.
é tanta coisa ao mesmo tempo
e não nos lembrarmos nem de metade.

onde está a minha sombra?



é fascinante a constante surpresa da vida
que contrasta com a forma fixa que nos apraz transparecer.
quando pensei ser sabedor de tudo,
descobri que há sempre alternativas
e novas formas de amar.
e é tão lindo..
e é tão bom ser-se inconsciente ao amar assim!
mas a tendência é de meter a mão na cabeça..
preciso de uns olhos dentro dos que já tenho..
e de olhos bem abertos
ver os teus limites a dissolverem-se
num espaço que é comum ao meu.
e abrir a boca ao máximo
para se ver tudo o que temos cá dentro.
mas às vezes,
nem tudo é como os conceitos que temos espetados na cabeça de pedra dura.
às vezes
sou como um elefante
obeso e estúpido
com medo de um rato
enfezado e insignificante..
e de olhos bem fechados,
tento não ver que és tu quem me atira pedras à cabeça
sem autorização..
és tu quem me espanca o espírito
com as palavras que essa língua insiste em me penetrar em todos os poros.
eu sou demasiado receptáculo!
eu sei,
e peço desculpas por isso,
mas se um dia tu esqueceres o meu nome,
eu vou saber em primeira mão
e o perdão não vai constar no meu vocabulário.
e com a mesma rapidez com que me dei
da mesma maneira te apunhá-lo no peito
e me vou..
porque o bem e o mal são irmãos gémeos como nós
e têm o mesmo significado
que uma enxaqueca egocêntrica..
e não me apetece lamber as botas
com que fiz todo o caminho da vida.